Poliginia, poliandria e moralidade

Poliginia, poliandria e moralidade

Em nome de Allah, O Clemente, O Misericordioso

A poliginia é espécie do gênero poligamia. Enquanto poligamia refere-se ao casamento de um indivíduo com mais de um, indiscriminadamente, a poliginia é o casamento de um homem com mais de uma mulher e a poliandria é o casamento de uma mulher com mais de um homem.

Em alguns ordenamentos jurídicos como o brasileiro, a poligamia formal, isto é, a formalização de múltiplos casamentos simultâneos junto ao Estado é proibida e até tipificada como crime. Por outro lado, no que diz respeito à Sharia, que é a Sagrada Lei Islâmica estabelecida por Allah através do Seu profeta Muhammad (SAW), a poliginia é permitida e disciplinada, enquanto a poliandria é proibida.

A poliginia gera, em muitas pessoas, especialmente naqueles crentes na ideologia feminista e de igualdade de gênero, reações emotivas de repúdio. O principal argumento dos opositores da poliginia é de que ela afronta a moralidade. Mas, o que é moralidade?

O ser humano está espalhado no planeta terra e organizado em diversas comunidades, as quais tem muitas particularidades culturais e onde a moralidade se encaixa nesse contexto? Será que moralidade é meramente um desdobramento de uma cultura ou há algum critério mais estável? Será que cada grupo social está livre para seguir qualquer parâmetro aleatório de moralidade ou há condutas que são imorais na essência? Por exemplo, digamos que seja costume em determinada cultura enterrar vivo um bebê fruto de uma gravidez indesejada. Ou que algumas pessoas sejam tratadas como animais em razão de alguma característica genética. Apesar de costumeiras, podem essas condutas ser consideradas morais? Se há um critério superior de moralidade, então, de onde podemos extrai-lo?

Essas questões são especialmente tormentosas aos ateus, pois, de uma perspectiva secular, não há como estabelecer limites objetivos à conduta humana além da força ou da possibilidade material. Se um indivíduo for capaz de fazer alguma coisa, o que poderia impedi-lo? Se a questão da moralidade estiver no âmbito da opinião, por que a opinião de alguns homens teria que ceder frente à de outros? Em contraponto ao ateísmo, a perspectiva religiosa defende parâmetros transcendentais de moralidade. Nesta perspectiva, Allah, por ser o Criador e o Sustentador de tudo além de deter todo o conhecimento e poder, tem a prerrogativa de estabelecer o que é certo e o que é errado, o que é moral e o que é imoral.

Assim, temos, basicamente, duas perspectivas de compreensão da moralidade. Uma secular, que vai buscar os fundamentos da moralidade na tradição nos costumes e no consenso entre as pessoas, e outra religiosa, que erguerá os preceitos morais a partir da vontade divina, expressa seja na revelação profética, seja nos sinais da criação. Trata-se, não há dúvidas, de dois caminhos de níveis totalmente diferentes. O caminho secular, inevitavelmente, é arbitrário, pois sempre impõe a vontade de algumas pessoas sobre as outras, seja com base na influência, na força ou na manipulação. Além disso, também é perigoso, pois o ser humano não tem pleno conhecimento das consequências dos seus atos a longo prazo e em larga escala. Por outro lado, a senda religiosa é plena de justiça, pois provém de Allah, a autoridade superior e, portanto, isenta das paixões humanas. Ademais, sempre apresenta a solução mais adequada porque vem daquele que é pleno de conhecimento e sabedoria.

Portanto, a menos que se recorra à arbitrariedade, apenas é possível falar em moralidade a partir de um ponto de vista religioso, que parta da inequívoca revelação divina para a humanidade e, subsidiariamente, da análise da criação de Allah, o Altíssimo, ou seja, das características biopsicológicas que Ele dotou o ser humano. Partindo dessa perspectiva, poderemos emitir juízo de valor acerca da moralidade da poliginia e da imoralidade da poliandria.

A poliginia está de acordo com todas as revelações divinas entregues à humanidade, desde a Torah, pois inúmeros profetas e patriarcas, como Abraão, Moisés, Gideão, Davi e Salomão (que a paz de Allah esteja com todos eles) tiveram mais de uma esposa ao mesmo tempo, passando pelo evangelho, pois não há registro de nenhuma palavra atribuída a Jesus, que a paz de Allah esteja com ele, revogando, criticando ou desaconselhando-a e culminando no Sagrado Alcorão, que não apenas a autoriza, mas também a incentiva expressamente, como está escrito:

وَإِنْ خِفْتُمْ أَلَّا تُقْسِطُوا۟ فِى ٱلْيَتَـٰمَىٰ فَٱنكِحُوا۟ مَا طَابَ لَكُم مِّنَ ٱلنِّسَآءِ مَثْنَىٰ وَثُلَـٰثَ وَرُبَـٰعَ ۖ فَإِنْ خِفْتُمْ أَلَّا تَعْدِلُوا۟ فَوَٰحِدَةً أَوْ مَا مَلَكَتْ أَيْمَـٰنُكُمْ ۚ ذَٰلِكَ أَدْنَىٰٓ أَلَّا تَعُولُوا۟

E se temeis não ser equitativos para com os órfãos, esposai as que vos aprazam das mulheres sejam duas, três ou quatro. E se temeis não serdes justos, esposai uma só, ou contentai-vos com as escravas que possuís. Isso é mais adequado para que não cometais injustiça. (Alcorão 4:3)

O versículo (Ayah) supracitado começa completando o comando do versículo anterior de tutela aos bens dos órfãos. Neste, o mandamento divino vai diretamente àquele homem que tem alguma menina órfã sob sua guarda e, interessado na beleza e na fortuna dela, quer se casar com ela sem lhe oferecer o Mahr (dote) adequado ou até mesmo se apropriando da herança dela. Então, tais guardiões foram proibidos de se casar com as órfãs, a menos que lidassem com elas de forma justa e dessem seu Mahr completo; e eles foram ordenados a se casar com mulheres que não fossem as órfãs (Sahih al-Bukhari 5140).

Para melhor compreensão do texto corânico, é necessário compreender um pouco melhor a dinâmica do casamento islâmico. O casamento na Sharia é facilitado e estimulado, pois, além da dar origem às famílias, previne a promiscuidade e faz parte da tradição profética (Sahih al-Bukhari 5066). A facilitação dele está, principalmente, na simplicidade das suas condições e do seu rito e uma das suas condições é a permissão do guardião (Wali) da mulher.

O Wali, que, em regra, é o pai da mulher, tem a missão de assegurar os interesses dela no contrato de casamento, principalmente, na escolha do cônjuge e na fixação do Mahr (dote). No caso de uma menina órfã (portanto, sem pai vivo) estar sob a guarda de um outro homem e ele mesmo querer se casar com ela, pode haver um conflito de interesses, pois ele seria, ao mesmo tempo, o Wali e o pretendente, hipótese em que ele poderia se favorecer em detrimento dos interesses da órfã, especialmente quando ela é herdeira de alguma riqueza. Por isso, Allah adverte que, se há esse risco, então o homem deve buscar casamento com qualquer outra mulher livre para o casamento que seja do agrado dele, sejam elas duas, três ou quatro.

Importante destacar que o texto não estabelece o casamento polígino como uma exceção a ser justificada apenas em casos excepcionais, como guerra, pandemia ou qualquer outra situação na qual venha haver um aumento expressivo na proporção de mulheres em relação aos homens. Trata-se, na verdade, de uma livre escolha do homem que tem condições para tanto, procurar, esposas dentre as crentes castas, como está escrito:

وَٱلْمُحْصَنَـٰتُ مِنَ ٱلْمُؤْمِنَـٰتِ وَٱلْمُحْصَنَـٰتُ مِنَ ٱلَّذِينَ أُوتُوا۟ ٱلْكِتَـٰبَ مِن قَبْلِكُمْ إِذَآ ءَاتَيْتُمُوهُنَّ أُجُورَهُنَّ مُحْصِنِينَ غَيْرَ مُسَـٰفِحِينَ وَلَا مُتَّخِذِىٓ أَخْدَانٍۢ ۗ

E vos é lícito esposardes as castas entre as crentes, e as castas entre aqueles aos quais fora concedido o Livro, antes de vós, quando lhes concederdes seus prêmios, dotes, sendo castos, não adúlteros, e não as tomando, jamais, por amantes. (Alcorão 5:5)

Consoante ao que foi dito acima, o casamento foi estimulado pelo Profeta (SAW), pois evita a promiscuidade. Portanto, aquele homem que quiser deve se casar com até quatro mulheres, a menos que ele não possa ser justo ou equitativo para com elas, não uma equidade perfeita, pois é impossível, como proclama Allah, O Altíssimo, alhures (Alcorão 4:129), mas uma equidade razoável.

Até aqui, vimos mais detalhadamente o quanto a poliginia está de acordo com a moralidade do ponto de vista religioso com foco na derradeira revelação divina para a humanidade. Agora, in sha Allah, vamos nos aprofundar na adequação da poliginia à moralidade do ponto de vista religioso com foco na criação de Allah, o Altíssimo, ou seja, nas características biopsicológicas que Ele dotou o ser humano.

Allah, O Sábio, não fez céus e terra sem um propósito, razão pela qual podemos encontrar na criação muitos sinais sobre os quais devemos refletir (Alcorão 2:164) para encontrar a sabedoria e a vontade divina.

E é analisando a criação que constatamos estar a poliginia, e não a poliandria, em harmonia com a condição biopsíquica humana, por ser, em primeiro lugar, mais eficaz do ponto de vista de preservação da espécie. É que o homem é capaz de engravidar um número quase ilimitado de mulheres, mas estas conseguem engravidar de apenas um homem por vez e, no máximo, uma gestação a cada dois ou três anos.

Em um casamento com múltiplas esposas, nenhuma delas terá necessidade de aguardar a gestação de outra para que poder engravidar. Por outro lado, num casamento com múltiplos maridos, tendo a mulher engravidado de um deles, haverá a necessidade de se aguardar por anos para a próxima gestação ser possível e ninguém saberá ao certo quem é o pai, a menos que se faça exames laboratoriais.

Além disso, a gravidez não gera as mesmas consequências para ambos os sexos. Enquanto a mulher enfrenta, sozinha, todos os embaraços da gestação, como fraqueza e vulnerabilidade, o homem não enfrenta nada. Nesse contexto, homens e mulheres têm, organicamente, estratégias diferentes de maximização da preservação da descendência. Os homens são naturalmente polígonos, pois é na variedade de mulheres que há maior potencial de geração de descendentes. Por outro lado, as mulheres são, organicamente, hipergâmicas e monogâmicas, pois as dificuldades decorrentes da gravidez acarretam a necessidade de a mulher ter um homem de alto valor e, ao mesmo tempo, leal a ela. Quanto mais forte, rico e capaz for o homem (hipergamia) e quanto mais ele tiver certeza da paternidade (monogamia feminina), mais ele terá condições e estará motivado a prestar todo o auxílio àquela mulher e ao filho que dela nascer, potencializando, assim, geração de descendentes dela. Sendo assim, do ponto de vista da preservação da espécie humana, há vantagens na poligamia masculina (poliginia) e desvantagens na poligamia feminina (poliandria).

Em segundo lugar, é possível constatar a harmonia da poliginia com a condição biopsíquica humana tendo como parâmetro a hereditariedade, pois, numa família com um marido e mais de uma esposa, todos os filhos saberão exatamente quem são os respectivos pais biológicos, uma vez que não há como ter dúvida da maternidade. Já, numa hipótese de múltiplos maridos para uma mesma mulher, não será possível ter certeza da paternidade, a não ser que se faça exames clínicos modernos, que nunca proporcionam total certeza, em cada criança gerada.

Por fim, é imperioso concluir que apenas a moral religiosa, extraída da inequívoca revelação divina para a humanidade e, subsidiariamente, da análise da criação de Allah, é um critério justo para a valoração das ações humanas e que, sendo assim, a poliginia é uma conduta perfeitamente moral e até desejável em tendo o homem condições enquanto a poliandria é, inquestionavelmente, imoral.

Que a paz de Aalah esteja com os bem encaminhados.

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